sábado, 3 de janeiro de 2009

Registo do talhe? uma tentativa...

3.2 - Estudo das sequências de talhe através da Experimentação
Os blocos de matéria-prima recolhidos e analisados são utilizados nas actividades de talhe experimental com o intuito de:
- verificar as suas aptidões de talhe mediante a aplicação das distintas cadeias operatórias;
- reproduzir sistematicamente as sequências de talhe identificadas nos estudos tecnológicos prévios dando especial atenção aos estigmas e resíduos resultantes, bem como ao controlo das dimensões dos suportes produzidos;
- em consequência do objectivo precedente, produzir suportes idênticos àqueles presentes nas indústrias líticas que serão utilizados em distintas actividades
Nestas actividades foram definidas fichas de registo para o talhe e para os percutores utilizados que seguem os seguintes parâmetros:



Fig. 1 – Exemplo de uma sequência de talhe experimental em planos abruptos, muito frequente em conjuntos pós-paleolíticos. Assinalamos os estigmas resultantes nas lascas que podem ser confundidos com retoque intencional.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O tal work in progress...Matérias-Primas

3 - As actividades de experimentação em curso

A arqueologia experimental enquanto método de estudo para compreender as similitudes e especificidades das indústrias líticas de comunidades de caçadores-recolectores e primeiros agricultores do Vale do Tejo tem como objectivo a caracterização das matérias-primas utilizadas, a reconstrução e reprodução das sequências de talhe identificadas nos estudos tecnológicos e a utilização dos artefactos encontrados em distintas actividades. Para as diferentes experimentações foram definidos métodos de trabalho e parameterizados os procedimentos com vista a um registo e recolha de dados passíveis de serem analisados em confronto com os dados arqueológicos.
Como já foi referido a experimentação é um exercício que se deve repetir de forma sistemática e objectiva, monitorizando e controlando diferentes variáveis e circunstâncias. Cujos resultados devem ser em passíveis de ser analisados criticamente e à semelhança da colecção arqueológica de partida. Assim, no que diz respeito às nossas actividades estamos ainda longe de ter resultados quantitativamente e qualitativamente passíveis de serem analisados em confronto com os dados arqueológicos. Muito embora essa confrontação seja inerente ao próprio decorrer das experimentações, não podemos ainda apresentar resultados conclusivos de conjunto. Podemos sim apresentar as metodologias e parâmetros que pautam o nosso trabalho, bem como tecer algumas observações preliminares aos resultados entretanto obtidos.

3.1 - Análise sistemática de matérias-primas
Foi iniciado um programa de recolhas sistemáticas de rochas e seu estudo global com vista a identificar processos de reconhecimento, selecção, aprovisionamento da matéria-prima localmente disponíveis na região. Neste momento foram já analisados cerca de 3 centenas de clastos quartzíticos[1], cuja caracterização seguiu os seguintes parâmetros:

[1] Trabalho desenvolvido por Ana C. Cunha

Take 2, já cá esteve...com descrição e sem comentários «indiscretos»

Indústrias Líticas e experimentação

Antes de reflectirmos um pouco acerca da Arqueologia experimental enquanto abordagem no estudo dos artefactos líticos pré-históricos, importa esclarecer aquilo que ela não é, já que é frequente a confusão entre experimentação, experiência e actividades didácticas de manufactura e utilização de utensílios em pedra.
Por exemplo, o talhe experimental de um Biface é um exercício de reprodução onde são aplicados conceitos e técnicas que derivam da experimentação, mas é uma experiência individual. É então uma actividade de contacto entre o talhador, as matérias-primas e tecnologias empregues que, sendo fundamental para o processo de aprendizagem do talhe, pela sua singularidade não é Arqueologia Experimental. Por outro lado, talhar o mesmo Biface perante um grupo de não especialistas (por exemplo visitantes de um museu ou de um parque arqueológico), não só é uma reconstrução altamente educativa, como deve ser a comunicação acessível dos resultados de uma investigação pautada pela experimentação, mas não é em circunstância alguma Arqueologia Experimental. As experiências singulares e didácticas devem decorrer de um plano de investigação de problemáticas arqueológicas, cujo estudo passa por actividades de experimentação, mas são já efectuadas sem o método, a exaustividade de registo e confronto que estas implicam. Sobretudo não ocorrem como fase de teste, verificação e compreensão de uma hipótese ou modelo construído com base no estudo de materiais e contextos arqueológicos.
No decurso da investigação sobre um sítio arqueológicos, o entendimento dos seus processos de formação, das suas estruturas ou dos conjuntos artefactuais nele exumados pode levar à formulação de hipóteses de explicação e interpretação. Hipóteses essas que são susceptíveis de serem aferidas através da experimentação, fundamentando ou não a sua adequação e coerência explicativa. A fundamentação surge no confronto entre o decorrer das actividades experimentais, os seus resultados e os dados arqueológicos.
A arqueologia experimental é assim uma actividade constituída por um conjunto de fases analíticas que permitem reconstruir um artefacto ou fenómeno no seu devir, fundamentada na integração dos dados resultantes nos estudos de partida e de confronto, sendo que os seus dados devem ser submetidos ao mesmo processo analítico dos arqueológicos.
Em termos genéricos, uma experimentação científica pode ser definida como a execução concreta de uma sequência de acções parametrizadas, observáveis directa e indirectamente, e que podem ser replicadas monitorizando as variáveis de forma a testar e verificar uma dada hipótese ou para estabelecer relações de causa/efeito entre fenómenos. Mesmo para quem tem uma formação no campo das ciências sociais, como é o caso da maior parte dos arqueólogos, em termos metodológicos o essencial da experiência científica não é difícil de compreender, é sobretudo a sua execução que é delicada já que, na maior parte dos casos, exige uma objectividade, rigor e detalhe exaustivos. No entanto, sendo essa a base conceptual de um processo experimental a sua aplicação em Arqueologia, pela natureza dos dados e pelo processo de pesquisa de que o investigador experimentador é parte integrante e não isenta, é distinta.
Em arqueologia não podemos deixar de ser conscientes da impossibilidade de reproduzir artefactos e fenómenos exactamente como foram. Os dados arqueológicos sob os quais construímos hipótese e modelos foram sujeitos a processos de formação e alteração que não conseguimos identificar e especificar na sua totalidade. Inevitavelmente a experimentação efectuada com base nestes dados é feita em circunstâncias artificiais criadas indutivamente no presente e que são limitadas pelo difícil controlo de todas as variáveis que interferem no processo experimental. (LONGO:2001).
Outro factor não menos importante é a consciência de que as nossas motivações enquanto investigadores recorrendo à experimentação jamais serão equivalentes às motivações dos indivíduos pré-históricos no decorrer dos processos de fabricação e utilização dos artefactos. Mais, as actividades técnicas são também orientadas por factores psicomotores do indivíduo que as executa e esta constatação torna ainda mais evidente a impossibilidade de replicação exacta quando estudamos espécies que não a nossa, como o são o homo heidelbergensis ou o homo neanderthaliensis (BRACCO :1991).
No que diz respeito às indústrias líticas a experimentação é actualmente uma das abordagens que mais informação proporciona para a compreensão da variabilidade do comportamento humano através do estudo dos modos de produção e utilização dos seus artefactos em pedra que integram o nosso registo arqueológico. Permite-nos, entre outras possibilidades, melhor compreender as opções e constrangimentos na gestão das matérias-primas, a escolha e aplicação de sequências de redução e a relação destas com as actividades de subsistência desenvolvidas nos sítios arqueológicos. Dá-nos também a possibilidade de questionar os critérios convencionais da classificação tipológica (PERETTO:1994, p.151), isto é classificação sustentada na análise morfológica dos artefactos, que pode mascarar os processos técnicos e funcionais, que de forma mais aproximada definem a indústria lítica em análise e por inerência o comportamento humano a ela subjacente.
Todavia, a experimentação não surge neste processo de estudo de indústrias líticas somente como um exercício pautado por um rigoroso método objectivo e sistema documental estritamente descritivo que se aplica repetidamente (e em alguns casos acriticamente). Também é isso, mas não só, o que de forma alguma lhe retira uma suposta validade ou veracidade científica (GRIMALDI:2003).
O talhe experimental ou a utilização de suportes líticos são sobretudo uma ferramenta heurística suplementar, já que utilizada como um utensílio cognitivo e não como um modelo invariável, permite aceder a um método de leitura do material arqueológico diferente. A repetição não se faz só por uma exigência de metodológica e acumulação de dados de forma asséptica, mas também porque é provocada pelo confronto com os materiais arqueológicos que suscitam outras actividades experimentais (BOEDA: 1994, pág. 16).

INTRO - Indústrias líticas e comportamento humano pré-histórico no Alto Ribatejo: uma abordagem experimental

Quando o homem primitivo usou pela primeira vez pedras de sílex para qualquer propósito, antes ele tê-las-á fracturado acidentalmente e utilizado os fragmentos cortantes.
Charles Darwin, na Origem do Homem, 1871[1]

1 - Introdução

As indústrias líticas, maioritariamente produzidas explorando seixos fluviais de quartzito, representam grande parte dos achados arqueológicos no Alto Ribatejo[2], os ecofactos registam-se quase exclusivamente nos depósitos em gruta. Com efeito, a natureza dos depósitos fluviais desta região não permite a conservação de materiais orgânicos, tornando bastante difícil a obtenção de datações absolutas e/ou relativas, que não estejam relacionadas com a geomorfologia ou com a caracterização das indústrias líticas. No entanto, os sítios de ar livre desta região, desde o Paleolítico Inferior ao Neolítico, evidenciam ao nível da economia das matérias-primas o uso intenso e continuado do quartzito, cujos padrões de distribuição espacial e características tecno-morfológicas se têm relevado de problemática interpretação crono-cultural.
Assim, a construção de um quadro crono-estratigráfico para esta região, tem por base a elaboração de cartografia geomorfológica de pormenor e a triagem das indústrias de cronologia holocénica face àquelas pleistocénicas (ROSINA:2004). Esta triagem tem sido feita através do estudo geo-arqueológico de colecções de superfície, estudo tecno – tipológico de indústrias provenientes de contextos escavados, elaboração de cartografia temática com Sistemas de Informação Geográfica e datações absolutas por OSL e Termoluminiscência (PRUDÊNCIO et al: no prelo).
No que diz respeito à caracterização crono – cultural das indústrias líticas dos sítios de ar livre desta região, as investigações já efectuadas, nomeadamente no âmbito dos Projectos TEMPOAR I e II[3], indicam que dificilmente podemos classificar os sítios recorrendo só a critérios tecno-tipológicos. Com efeito, vemos que, quer em conjuntos paleolíticos, quer em conjuntos pós-paleolíticos, é comum a constante presença de dois sistemas de produção de artefactos idênticos, ambos aplicados no talhe de seixos fluviais de quartzito. Um tem como objectivo a produção de suportes (lascas com e sem retoque) enquanto que o outro consiste no talhe dos seixos com vista à sua utilização como utensílios (chopper e chopping-tools). Mesmo quando no âmbito dos referidos esquemas são aplicadas diferentes sequências de redução, os artefactos podem apresentar grandes semelhanças morfológicas no tempo e no espaço (GRIMALDI et al:1999). Em suma, uma das impressões que podemos deter numa visão geral das indústrias líticas do médio Tejo português é a sua aparente, quase monótona, homogeneidade. Esta decorre de similitudes entre os artefactos associados a vestígios de ocupações humanas atribuídas a contextos cronológicos muito distintos, desde o Pleistoceno ao Holoceno. Sugerindo assim que comunidades de caçadores-recolectores e agricultores teriam, nesta região, uma relação com o ambiente semelhante, sendo esta sugerida pela continuidade e recorrência de estratégias tecnológicas e de economia de matérias-primas. Estas hipóteses, porém, exigem um estudo aprofundado que permita destrinçar e melhor enquadrar estas similitudes. Na realidade as morfologias dos utensílios podem ser semelhantes mas a sua funcionalidade pode ser distinta, de acordo com a comunidade que os produziu, e no limite sequências de redução (manufactura) semelhantes podem ter objectivos técnicos distintos. Por outro lado, importa esclarecer, caracterizando e experimentando as matérias-primas, até que ponto a adopção de soluções semelhantes por parte de caçadores-recolectores e agricultores é consequência de um constrangimento e ou condicionante da gestão dos recursos disponíveis, ou se, por outro lado é uma opção adaptativa bem sucedida.
É neste quadro que está a ser desenvolvido, desde 2006, o Projecto Paisagens de Transição[4] que no âmbito do estudo das indústrias líticas pretende sistematizar os dados disponíveis relativos a indústrias líticas Paleolíticas e pós-Paleolíticas. Esta sistematização é feita em complementaridade com a caracterização das matérias-primas locais, em particular dos quartzitos, e com estudos tecnológicos e funcionais aprofundados, todos suportados pela aplicação de abordagens experimentais. Estas, pela sua natureza que adiante descrevemos, permitirão chegar a uma melhor compreensão do comportamento humano Pré-Histórico representado, ainda que parcialmente, nos artefactos líticos.
Estas linhas de pesquisa e as actividades que apresentamos neste trabalho têm sido desenvolvidas no Laboratório de Indústrias líticas do Instituto Terra e Memória – Centro de Estudos Superiores de Mação (protocolo entre o Instituto Politécnico de Tomar e Câmara Municipal de Mação) e no Centro de Interpretação de Arqueologia do Altor Ribatejo em Vila Nova da Barquinha, envolvendo investigadores do Projecto Paisagens de Transição e alunos do Mestrado em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre (IPT/UTAD) e do Doutoramento em Quaternário, Materiais e Culturas (UTAD).
[1] When primeval man first used flint-stones for any purpose, he would have accidentally splintered them, and then would have used the sharp fragments.
Charles Darwin, in Descent of Man, 1871
[2] O Alto Ribatejo é a área em que se cruzam as três grandes unidades geo-morfológicas de Portugal (o Maciço Calcário Estremenho, o Maciço Hespérico e a Bacia Terciária do Tejo-Sado), sem fronteiras fixas, rigorosamente traçadas a partir de caracteres fisiográficos, mas estruturada pela hidrográfica formada pelos rios Nabão, Zêzere, Tejo, bordejados pelo Alviela, e pelo Ocreza.
[3] O projecto TEMPOAR (Territórios, Mobilidade e Povoamento do Alto Ribatejo) foi desenvolvido entre 1998 e 2006 sob a coordenação do Instituto Politécnico de Tomar. Entre outros objectivo o TEMPOAR visava estabelecer uma caracterização cronológica e tecno-tipológica das indústrias líticas, bem como uma melhor compreensão dos sítios arqueológicos em relação com os depósitos quaternários do Tejo e seus tributários.
[4] O projecto Paisagens de Transição – Povoamento, Tecnologia e Crono-Estratigrafia da transição para o agro-pastoralismo no Centro de Portugal (PTDC/HAH/71361/2006), aprovado e financiado pela FCT, tem como questão central compreender como eram socialmente estruturadas as primeiras paisagens agrícolas, por quem e quando.

Ano novo, informação nova

Inciamos o ano de 2009 com uma série de posts referentes a uma recente publicação do nosso grupo de pesquisa -Indústrias líticas e comportamento humano pré-histórico no Alto Ribatejo:Uma abordagem Experimental - Sara Cura, Luiz Oosterbeek, Stefano Grimaldi, Emannuela Crisitani, Pedro Cura, Ana Cunha e Jedson Cerezer, in Zahara - Centro de estudos de história local, ano 6, nº 12, Abrantes, pp. 71-80. Trata-se de um artigo que enuncia a metodologia das experimentações desenvolvidas por nós a partir das problemáticas arqueólogicas em torno das indústrias líticas em quartzito do Vale do Tejo. Como em tudo o que é investigação o que aqui vamos colocar é um work in progress para partilhar e criticar...desculpem aqueles que são da opinião que só se devem apresentar resultados finais.Nós entendemos que as metodologias e investigações só ganham se pelo caminho se forem (re) construindo, tanto os temas, quanto os investigadores.
S.Cura