sexta-feira, 22 de julho de 2011

Modificações de superfícies ósseas, fracturação com bigorna: I. Elementos de Bos taurus em estado fresco

Enquadramento

Procedeu-se à fracturação de vários elementos anatómicos de um Bos taurus juvenil, dos quais se apresentam os resultados da análise de uma tíbia e um úmero.

Os elementos encontravam-se em estado fresco, com tecidos moles nas áreas junto das articulações e algum tecido remanescente nas diáfises. A fracturação (predominando o impacto transversal ao eixo longitudinal dos elementos) foi realizada com um chopper em quartzito (Figura 1), sobre uma superfície relativamente plana. Não se removeu o periosteum previamente à fracturação.

Na tíbia os contactos realizaram-se na face cranial e caudal e no úmero na face cranial, nas porções (2)3(4), i.e. na diáfise e perto das metáfises. Foram recolhidas praticamente todas as esquírolas de dimensões superiores a ~2cm resultantes da experimentação.

Figura 1: Chopper usado na experimentação. Vermelho: margem activa; Azul: margem oportunamente utilizada.

Metodologia

Os elementos foram analisados macroscopicamente registando-se a existência de impactos de percussão, contragolpes/abrasões, cones de percussão, lascas parasitas, estriações, perfurações/golpes e extracções corticais/medulares. Os indicadores tafonómicos foram medidos com um paquímetro digital (Lux) e registados segundo a localização (e.g. porção, face), número e disposição (e.g. isolado, oblíquos paralelos).

Os planos de fractura foram analisados segundo a sua delineação (longitudinal, curva, transversal), ângulo (oblíquo, recto, misto) e superfície (suave, irregular); apenas se consideraram os planos existentes em tecido cortical (diáfises), pois os presentes em tecido esponjoso (epífises) ou cortical delgado (metáfises) não são diagnósticos. Não foram analisadas as esquírolas de dimensões < 5 cm. Sempre que possível mediram-se os ângulos com distâncias de ~2cm com o intuito de perceber a sua oscilação ao longo do mesmo plano de fractura.

Resultados: fracturação e estigmas de percussão

Foi possível identificar vários indicadores tafonómicos de fracturação antrópica (Gráfico 1).

Gráfico 1: Principais indicadores registados aquando das análises.

Tíbia (Figura 2): evidenciaram-se 10 esquírolas com dimensões <5cm e 3 de dimensão >5cm sendo que se identificaram cones de percussão (E11, E14), impactos de percussão na E15 (3 consecutivos - porção 3, face caudal; 2 sobrepostos - porção 3(2), face cranial), lascas parasitas (E13, E11) e extracções medulares/corticais associadas aos impactos de percussão da E15. A E15 (Figura 3) apresentava várias perfurações/golpes concentradas (porção 3(2), face cranial) e isoladas (porção 3(4), face lateral; porção 3(4), face cranial). Na porção proximal da tíbia (Figura 4) comparecem 5 golpes concentrados, paralelos oblíquos (Gráfico 2.1).

Figura 2: Resultado da experimentação (tíbia – Bos taurus).

Figura 3: A E15 apresenta impactos de percussão, lascas parasitas, extracções corticais, medulares, e perfurações/golpes.

Figura 4: A porção proximal apresenta vários golpes oblíquos paralelos na face cranial.

Úmero (Figura 5): apresenta 11 esquírolas de dimensões <5cm e 3 de dimensões >5cm. Identificaram-se cones de percussão (E10, E12), impactos de percussão (E15: 1 isolado; E18: 1 isolado; E19: 2 consecutivos; Proximal: 1 isolado; Distal: 1 isolado) e lascas parasitas associadas a um impacto de percussão na porção distal. A E19 apresenta uma extracção medular associada a peeling (?) e a E17 uma extracção cortical. Registaram-se perfurações na E18 e vários golpes na E15 e E19, alguns dos quais imensuráveis (Figura 6; Gráfico 2.2).

Figura 5: Resultado da experimentação (úmero – Bos taurus).
Figura 6: Selecção de alguns dos indicadores tafonómicos evidenciados.
Gráfico 2.1/2.2: Dimensões (cmp/larg mm) das perfurações/golpes mensuráveis. Superior: tíbia;inferior: úmero.

Resultados: planos de fractura

A tíbia e o úmero apresentavam um total de 18 planos de fractura (9 em cada um dos elementos) analisáveis segundo a opção metodológica tomada (Gráfico 3). Denota-se um claro predomínio das delineações curvas, contudo registou-se um número considerável de ângulos mistos em ambos os elementos. De salientar a presença de 4 ângulos rectos na tíbia e 5 ângulos oblíquos no úmero. Relativamente às superfícies, ainda que exista um predomínio de superfícies suaves em ambos os elementos, o úmero apresentava 3 superfícies irregulares.

Gráfico 3: Análise dos planos de fractura da tíbia e úmero segundo a delineação, ângulo e superfície.

Na tíbia, a esmagadora maioria dos ângulos encontra-se entre os 70º e 95º; no úmero estão mais uniformemente dispersos pelos vários grupos, contudo predominam ângulos entre 45º e 70º.

Perspectivas futuras: neste post apenas apresentamos os resultados da fracturação de dois elementos de Bos taurus, contudo foram processados um total de 8 ossos longos. Esta experiência é um primeiro passo para a elaboração de um protocolo experimental que visa a obtenção de dados actualistas acerca das modificações realizadas por fracturação antrópica.

Agradecimentos: ao Fumeiro da Beira (Mação) por carinhosamente nos darem os ossos de Bos taurus para a experimentação.

Nelson Almeida