sábado, 20 de fevereiro de 2010

E o que fazemos com os ossos?

Apresentamos uma sucinta revisão dos resultados da experimentação de processamento de uma lebre ibérica (Lepus granatensis) realizada por Nelson Almeida (Zooarqueologia e Tafonomia) e Pedro Cura (esquartejamento e talhe de indústria lítica) com a supervisão de Sara Cura.

Fig. 1 - Nelson Almeida e Pedro Cura no início da experimentação

Objectivos:

• Análises tafonómicas (ossos) e estudos funcionais (líticos);

• Tratamento dos restos para inclusão nas colecções de referência (ossos e líticos em quartzito);

• Remoção de tendões para actividades experimentais.

Por enquanto, apenas expomos os resultados das análises tafonómicas.

Suporte

Lasca em quartzito não retocada de delineação horizontal e sagital recta; a preensão foi manual e o ângulo da margem cortical activa foi de 5º (tempo total: 18 m).

Fig. 2 - Vista principal da lasca utilizada (largura máxima 4cm)
Fig. 3 - Pormenor do gume utilizado em todo o processo

Processo

Remoção de pele e desmembramento para aquisição dos tendões. Os vários contactos com as unidades anatómicas foram registados segundo o osso, tipo e direcção do movimento, localização (face e porção) e pressão exercida.

Fig. 4 e 5 -Remoção da pele

Fig. 6 - Pormenor do desmembramento
Fig. 7 - Aproveitamento dos tendões

Resultados:

As análises com uma lupa binocular (Bresser BioLux AL a 29x) evidenciaram:

• Tíbia (d): total de 4 grupos de marcas de corte paralelas oblíquas na porção 3 (face lateral e medial) de desmembramento e/ou remoção de tendões;

• Ulna (e): 1 marca longitudinal na face lateral da porção 3 perpendicular a 1 marca oblíqua na mesma área relacionada com remoção de pele;

• Ulna (d): 1 marca oblíqua na face lateral da porção 2 de remoção de pele;

• Fémur (e): 3 marcas oblíquas paralelas na face cranial da porção 1/2 relacionadas com o desmembramento;

• Fémur (d): 3 marcas oblíquas paralelas na face cranial da porção 2 e, 1 longitudinal na face caudal da porção 2 devido ao desmembramento;

• Coxal (e): grupo de marcas oblíquas paralelas na porção 1 e 3 relacionadas com o desmembramento;

• Coxal (d): grupo de marcas oblíquas paralelas na porção 4 e 1/2 devidas a actividades de desmembramento.

Fig. 8 - Registo dos contactos com osso

Fig. 9 - Azul: remoção de pele; Verde: desmembramento; Vermelho: Remoção de tendões; Cinzento: unidades anatómicas danificadas/porções não recuperadas.

Posteriormente, será postado o relatório referente ao tratamento e esqueletonização das diferentes unidades anatómicas para inclusão na colecção de referência.

NELSON ALMEIDA




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Técnicas de Produção de Fogo 1: fricção entre duas madeiras


Fig. 1 - Materiais utilizados
Neste e num próximo post apresentamos duas experimentações e a descrição de duas técnicas de como fazer fogo, utilizando matérias-primas registadas em varias escavações por toda a Europa e África que terão sido um recurso durante um largo período da pré-historia, e também baseado em resultados de experimentações de alguns investigadores. A recolha dos dados e a sua respectiva conjunção é bastante pessoal. As experimentações levada a cabo por mim e que suportam as descrições que se seguem, tiveram a utilização de gestos inerentes à minha pessoa e por isso têm alguma subjectividade. As duas técnicas usadas distinguem-se uma da outra, pelas matérias-primas que são fundamentais e que necessitam da aplicação de gestos bem diferentes.
Na 1ª descrição o processo será a fricção entre duas madeiras distintas, a 2ª será o choque entre duas matérias duras.
PEDRO CURA

As matérias-primas utilizadas são, um ramo de Aveleira (o mais recto possível), uma prancha de madeira retirada de uma raiz de trepadeira (Hera), estas duas espécies encontram-se disseminadas por vários pontos da Europa, e uma acendalha constituída por galhos de pequenos arbustos e raspas de medronheiro
.
Fig. 2 - Medronheiro (Arbutus unedo)

Na prancha (em Hera) é feito um pequeno orifício com a lasca, este orifício foi de seguida, alargado rodando a vara de aveleira até que esta escavou e se ajustou em todo o seu diâmetro na prancha, este processo produzirá algum fumo (é um bom sinal).
Fig.3 - Trepadeira Hera (hedera hibernica)


Fig. 4 - Prancha em Hera e Vara de Aveleira

O ramo de aveleira, com um diâmetro aproximado de 6cm, foi afeiçoado para um comprimento de +- 30 cm utilizando várias lascas de sílex. A prancha em hera é retirada de uma raiz seca usando várias cunhas de madeira.

Fig. 5 - Aveleira (Corylus avellana)

Foi afeiçoada com várias lascas de sílex, para um comprimento de +-20cm, de largura +-8cm e com uma espessura de 2 a 3 cm. Neste processo o manuseamento das lascas em sílex tornasse “fácil” e “rápido”, se adaptarmos os nossos gestos a esta nova matéria-prima.
Fig. 6 - Retirar a prancha da raiz usando cunhas de madeira

Saliento que de inicio é bastante frustrante, mas necessariamente passou-se por uma aprendizagem gestual para fazer rodar a vara sobre a prancha com movimentos coordenados e ter os efeitos desejados. Após a preparação, cortou-se um pedaço de madeira em V, em toda a espessura da prancha, em que o seu vértice fica bastante próximo do centro do orifício feito anteriormente. Isto permite que a fina serradura que surge da fricção das duas madeiras se concentre neste espaço. Prontos os materiais colocou-se uma folha seca (ou um pedaço de pele) entre a base do orifício e em todo o comprimento do corte em V, é sobre esta folha que fica depositada a fina serradura. Fixou-se a prancha usando a parte dorsal dos pés e fez-se girar a vara com as mãos.

Fig. 7 - Modo de fixar a prancha

Aqui o processo pode levar entre 2 min a 4min, depende muitas vezes do gesto. Durante este processo a fricção entre as duas madeiras elevam as madeiras à temperatura de ignição, neste caso a hera é ideal pois tem um ponto de ignição +- 300c˚.
No local onde se concentra a fina serradura formar-se uma pequena brasa, confirmando assim que se liberta neste local uma fina coluna de fumo espesso e branco.
Essa pequena brasa depositada na folha é transportada para a acendalha. Nunca perdendo de vista a pequena brasa, soprasse calmamente e intensifica-se à medida que a combustão da acendalha vai alastrando até que surja a chama e seguramente se fez fogo.

Nota: este processo pode ser bastante eficaz, se introduzirmos dois novos instrumentos, um pequeno arco para girar a vara e uma peça de apoio para a mesma, colocada na extremidade oposta à que apoia na prancha. Mas também aqui, como podem ver no vídeo, a eficácia exige aprendizagem na utilização dos novos instrumentos.


Fig.8 - Arco e peça de apoio para a vara