Introdução
O seguinte procedimento experimental visou a compreensão do processo tecnológico de corte de hastes de cervídeos (Imagem 1) com lascas em quartzito e a detecção dos macro-traços eventualmente visíveis nos gumes das lascas utilizadas. Além disso, proporcionou a ampliação da colecção de referência de lascas experimentais com vestígios de utilização, tendo-se obtido cinco lascas com vários gumes utilizados, associados a tempos de uso diferentes.
Imagem 1: Haste de veado (Cervus elaphus), comprimento 46 cm.
Descrição da experiência. Antes do começo do trabalho efectivo, algumas lascas experimentais foram obtidas através de uma actividade de lascamento realizada por Pedro Cura (Imagem 2). A matéria prima constituiu-se por seixos fluviais em quartzito, recolhidos acerca da localidade de Santa Cita (Tomar, Portugal). Essa escolha foi feita devido ao fato de que a colecção lítica proveniente do sítio arqueológico de Santa Cita encontra-se actualmente em estudo, visando-se então, em um momento futuro, a possível comparação dos dados traceológicos destas peças experimentais com as peças arqueológicas da referida colecção.
Imagem 2: Actividade experimental de lascamento.
A intenção principal do procedimento foi o corte das extremidades da haste para a obtenção de quatro pressionadores e um percutor brando (a extremidade proximal).Foram então escolhidas cinco lascas em quartzito (duas corticais e três não corticais), que apresentavam gumes aptos para a actividade de corte (ângulo agudo e delineação sagital linear) e boa preensão (manual).
A acção realizou-se, na totalidade dos casos, relacionada com um movimento bidirecional e com um ângulo de contacto com o material trabalhado de cerca 80-90° (Imagem 3).
Imagem 3: Acção de corte da haste de veado (corte central para obter um percutor brando)
Foram fotografados os gumes utilizados a cada cinco minutos, com o objectivo de se obter um controle do processo de modificação dos mesmos durante a actividade e para que pudéssemos dispor, então, de uma noção a posteriori da modificação macroscópica (Imagens 4-5).Imagem 4: Uma das lascas (ss_2) utilizada no trabalho experimental (exemplo da modificação do gume direito). Nota-se na última fotografia que o gume foi retocado. Imagem 5: Lasca ss_4: modificação do gume distal.
Observando as imagens 4 e 5, pode-se perceber a incidência das modificações a nível macroscópico. No primeiro caso (Lasca ss_2), tratando-se de um gume bastante rectilíneo, com um ângulo não excessivamente agudo (40°), não foi possível reconhecer modificações muito profundas que alterassem visivelmente a morfologia inicial do gume utilizado. Pelo contrario, considerando a lasca ss_4 (Imagem 5), que mostrava um gume distal convexo com um ângulo da zona activa de 25 °, as modificações foram bem visíveis, compreendendo um micro-lascamento bem profundo no começo, arredondamento da margem lateral direita (visão da face dorsal), desgaste muito profundo na zona mais frágil do gume (lateral esquerda, onde apresentava-se uma retirada do córtex ocorrida na altura do talhe) e consequente alisamento final do restante do gume.
Imagem 6: Lascas ss_1 e ss_5, antes e depois da utilização.
Na Imagem 6, nota-se um micro-lascamento muito visível em relação ao gume direito proximal da lasca ss_1 e o gume direito distal da lasca cortical ss_5. Nestes casos, os ângulos de partida eram respectivamente de 28 e 30°. Os micro-lascamentos inicias levaram às modificações na morfologia dos gumes, até a uma regularização obtida por um arredondamento dos mesmos de modo que não puderam ser considerados mais funcionais.
Imagem 7: Gume lateral esquerdo da lasca ss_7 antes e depois da utilização (parte distal em cima, utilizada por 35 min, parte proximal, utilizada por 20 min).
A imagem 7 monstra o gume esquerdo da lasca ss_7, a qual foi utilizada para trabalhar a hasta no seu estado molhado. Por isso, e considerando também a quantidade reduzida do tempo em que o gume sofreu o contacto com o material orgânico, não foram constatadas modificações evidentes na morfologia dos gumes. Aconteceram, entretanto, marginais esquirolamentos, que deixaram o gume mais regular.
Como já foi dito antes, a haste foi trabalhada, também, após ter sido humedecida em água durante 107 horas, com a finalidade de que pudéssemos perceber as possíveis diferenças em relação à condição normal (seco) de trabalho.
Quatro lascas entraram em contacto com a haste humedecida (para efectuar os últimos três cortes, 3,4,5 Imagem 8), controlando-se o tempo relacionado à execução do trabalho e tendo-se verificado uma significativa diminuição do tempo necessário para a realização dos cortes pretendidos (Tab. 1).
Imagem 8: 1, 2, 4, 5: pressionadores; 3, percutor.
PORÇÃO DA HASTE | ESTADO | LARGURA cm | TEMPO min |
PUNTA N. 1 | Seco | 1,5 | 90 |
PUNTA N. 2 | Seco | 3,6 | 180 |
TAGLIO N. 3 | Molhado | 2,3 | 95 |
PUNTA N. 4 | Molhado | 1 | 35 |
PUNTA N. 5 | Molhado | 1,8 | 20 |
Tab. 1: Corte efectuado (ver a Imagem 5), estado da haste, largura da extremidade cortada e tempo necessário para terminar o trabalho.
Tendo em conta a largura das porções que foram extraídas e o relativo estado da haste, tornou-se clara a efectiva vantagem em trabalhar esta em seu estado húmido.
Discussão
A actividade aqui descrita visou, principalmente, à ampliação da colecção de referência de lascas experimentais do Laboratório de Quaternário e Indústrias Líticas. A vantagem de terem sido obtidos gumes que foram utilizados em tempos diferentes (de 10 minutos até 110 minutos) encontra-se no fato de que futuramente será possível analisar microscopicamente a formação dos traços de uso no trabalho com matérias duras animais (haste) nas lascas em quartzito.
Além disso, uma possível ampliação deste trabalho será constituída pela repetição da mesma actividade utilizando diferentes matérias primas (sílex e quartzo) e pela comparação dos traços de utilização que irão se formar.
ANTONELLA PEDERGNANA
1 comentário:
Uai Antonella...
Excelente heim!!! parabéns!
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